Por Rubens Cartaxo e Programa AMO.
Vejamos este texto bíblico histórico de um precioso momento de interação entre a cultura hebraica e egípcia.
“E levantou-se um novo rei sobre o Egito, que não conhecera a José; O qual disse ao seu povo: Eis que o povo dos filhos de Israel é muito, e mais poderoso do que nós.
Eia, usemos de sabedoria para com eles, para que não se multipliquem, e aconteça que, vindo guerra, eles também se ajuntem com os nossos inimigos, e pelejem contra nós, e subam da terra. E puseram sobre eles maiorais de tributos, para os afligirem com suas cargas. Porque edificaram a Faraó cidades-armazéns, Pitom e Ramessés. Mas quanto mais os afligiam, tanto mais se multiplicavam, e tanto mais cresciam; de maneira que se enfadavam por causa dos filhos de Israel. E os egípcios faziam servir os filhos de Israel com dureza; Assim que lhes fizeram amargar a vida com dura servidão, em barro e em tijolos, e com todo o trabalho no campo; com todo o seu serviço, em que os obrigavam com dureza.
E o rei do Egito falou às parteiras das hebreias (das quais o nome de uma era Sifrá, e o da outra Puá), e disse: Quando ajudardes a dar à luz às hebreias, e as virdes sobre os assentos, se for filho, matai-o; mas se for filha, então viva. As parteiras, porém, temeram a Deus e não fizeram como o rei do Egito lhes dissera, antes conservavam os meninos com vida. Então o rei do Egito chamou as parteiras e disse-lhes: Por que fizestes isto, deixando os meninos com vida? E as parteiras disseram a Faraó: É que as mulheres hebreias não são como as egípcias; porque são vivas, e já têm dado à luz antes que a parteira venha a elas.
Portanto Deus fez bem às parteiras. E o povo se aumentou, e se fortaleceu muito. E aconteceu que, como as parteiras temeram a Deus, ele estabeleceu-lhes casas. Então ordenou Faraó a todo o seu povo, dizendo: A todos os filhos que nascerem lançareis no rio, mas a todas as filhas guardareis com vida”. Êxodo 1:8-22
No texto acima podemos perceber que enquanto o grande Faraó possuía uma visão rebaixada de valor para com as crianças do seu reino. Ele preocupava-se apenas com seus próprios interesses e no seu inventário cultural não valorizava as crianças dos seus súditos. Diferentemente, as parteiras egípcias, por temerem ao Deus dos hebreus não matavam as crianças hebreias, mas poupava-as e deixava-as com vida. Elas tinham uma visão mais elevada das crianças que o faraó e por isto foram abençoadas.
Para o imponente e importante faraó não fazia a menor diferença assassinar aqueles pequeninos desta forma ou mesmo, no seu segundo decreto, ainda mais terrível, de lança-las nas águas do Nilo. Para ele, certamente os via apenas como animais, como mais uma praga qualquer que poderia ser eliminada desta forma. Esta visão rebaixada da importância da vida humana e da dignidade inerente a ela, tem produzido ao longo da história as maiores atrocidades que o homem seja capaz de fazer.
Por outro lado, as parteiras1, na sua simplicidade, possuíam uma visão bem mais elevada da criança, pois foram incapazes de cometerem o desatino proposto pela autoridade, mesmo correndo o risco de perderem a sua vida, pois contrariaram as intenções do rei. Para estas mulheres estas crianças não passavam de filhos de escravos, filhos de outro povo e que aos olhos dos seus governantes, despontavam como uma futura ameaça aos interesses econômicos da sua nação. Mesmo diante de toda esta condição desfavorável aquelas crianças indefesas e filhos de escravos, estas parteiras viram dignidade em suas vidas e as pouparam. O texto afirma categoricamente o motivo desta escolha e da atitude tomada por elas. Elas temiam a Deus! O temor a Deus humaniza e promove a vida. Somente o temor a Deus leva o homem a suplantar as suas conveniências egoístas para valorizar a vida e a dignidade humana independente de sua condição social ou econômica.
Toda a sociedade que deliberadamente escolhe o afastamento de Deus, escolherá também comer o fruto do desvalor para com a vida humana. Quanto mais descristianizada for uma sociedade, mais rude e atroz ela será, pois a essência da dignidade humana reside no temor a Deus.
[ … ] Os seus pés são ligeiros para derramar sangue. [ … ] Não há temor de Deus diante de seus olhos. Romanos 3:8-18
Uma visão elevada acerca das crianças começa com o temor a Deus. Uma sociedade que não teme a Deus será capaz de fazer qualquer atrocidade com suas crianças, bastando apenas para isto ver ameaçado qualquer um dos seus desejos egoístas. Somente o temor a Deus é a garantia de atenção e respeito à dignidade inerente a criança apesar da sua fragilidade. E, para aqueles que assim procederem, poderá sempre contar com um Deus pronto a deliberar o seu favor e bênção.
[…] portanto, Deus fez bem as parteiras.
O interessante é pensar que uma destas crianças preservadas foi possivelmente o próprio Moisés que veio a ser no futuro o grande líder usado por Deus para libertar todo o seu povo do regime de escravidão egípcio e o reconduzindo para a sua terra de herança como um povo livre e uma nação. Com este fato, podemos concluir que estas parteiras egípcias ingressaram num time dos grandes heróis da fé e que passaram a tomar parte da grande história de redenção da humanidade.
Voltando ao pensamento principal sobre o temor a Deus e sua influência numa cultura, percebemos que: Quanto mais uma cultura se descristianiza, mais o homem é desumanizado ou mais desumanizado o homem se torna, pois Cristo é a expressão máxima da humanidade mais “humana”, se assim podemos dizer.
Em Cristo o Criador manifestou de forma límpida e cristalina o paradigma de homem idealizado por Ele para a humanidade. Assim, quanto mais nos afastarmos deste referencial, a nossa visão se embota e mais torpe se torna, dirigindo o leme das nossas escolhas apenas orientado pela vontade e pelos desejos egoístas.
Resta-nos o desafio de, como educadores cristãos, rejeitarmos determinadas ordens dos “faraós de dia” com os seus decretos de morte à candura da infância, morte a dignidade da criança, expondo-as desde cedo a toda prática indecorosa e tantos outros decretos travestidos de um discurso científico e sociológico para nos portarmos de forma semelhante a estas parteiras1 egípcias por temor a Deus. Será que teremos coragem? Estamos dispostos a correr o risco? Aqui convém lembrar a promessa expressa também no texto que Deus se colocará em favor daqueles que se levantarem para esta luta. Qual tem sido a nossa visão para com as nossas crianças? Elevada, que contempla dignidade e valor em cada uma delas ou rebaixada, que não vê nenhum problema em destruí-las, desde que seja “cientificamente comprovada” esta necessidade?
1. A palavra ‘ensinar’ em hebraico hanakh como em Provérbios 22:6 significa iniciar; disciplinar; dedicar; treinar. O cognato hebraico hekh significa palato ou órgão da boca vital à fala. Esta palavra hebraica é uma figura de uma parteira que, imediatamente após o parto, pega os seus dois dedos e limpa o muco da boca da criança recém-nascida para permiti-la respirar o oxigênio sozinha – a parteira é alguém que a inicia em um ambiente para vida. Este é o conceito judeu de “ensinar uma criança” ou educar uma criança. [Manual do professor AMO, 2010]