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A Questão do Homossexualismo

Por Carlos Osvaldo Pinto e Luiz A. T. Sayão.

INTRODUÇÃO

Há algum tempo, muitos tiveram o privilégio de ouvir o Pr. Nivaldo Nassif na conferência missionária no Seminário Bíblico Palavra da Vida (SBPV). Ele relatou, de maneira emocionante, algumas das oportunidades que ele e membros da Comunidade Evangélica Nova Aurora (CENA) tiveram de ministrar o amor de Cristo a prostitutas e travestis da chamada Boca do Lixo, no centro da maior cidade do Hemisfério Sul, e de ver vidas milagrosamente transformadas pelo poder do evangelho.

A missão levada a cabo por esses irmãos é dramática por dois motivos. Em primeiro lugar, porque vai de encontro à apatia, e até mesmo ao cinismo da parte da população evangélica, que mantém os homossexuais à distância enquanto se justifica dizendo que eles não querem nada com o evangelho. Em segundo lugar, porque detona as alegações de alguns pró-homossexuais de que homossexualismo é uma questão de genética e não de escolha, e que portanto evangelizá-los e apresentar uma possibilidade de mudança de vida é seria um “terrorismo psicológico”.2

É possível que essa abordagem pareça simplista ao leitor. Se assim for, que seja! A questão que não pode ser evitada é a invasão de nossa sociedade, mesmo de nossas igrejas, por um número crescente de indivíduos que não apenas alegam ser gays, mas assumem orgulhosa e acintosamente a condição. Em conversas particulares preparatórias para este artigo, dois conselheiros evangélicos de São Paulo, cujos nomes precisam permanecer incógnitos por razões profissionais, afirmaram que cresce dramaticamente o número de pastores protestantes que buscaram tratamento para comportamento sexual alternativo (psicologuês para homossexualismo).

Talvez mais trágico que este último fato seja constatar que muitos crentes e líderes aceitam como truísmo o conceito — defendido por grupos que se denominam “gays cristãos” — de que Deus fez algumas pessoas homossexuais e as aceitará qualquer que seja sua conduta. No pensamento de tais indivíduos, insistir em proibições à prática do homossexualismo é prova de falta de amor e de bitolamento religioso.3 Num plano mais sofisticado, argumentam que insistir num padrão exclusivamente heterossexual de relacionamento afetivo é desconsiderar: (1) a natureza culturalmente condicionada das passagens bíblicas que tratam do assunto; e (2) a percepção mais profunda que temos hoje sobre a natureza humana e suas múltiplas dimensões de trauma e cura. Alguns, a quem até gostaríamos de atribuir intenções legítimas, advogam a tese de que as Escrituras nunca chegam a condenar o homossexualismo.4

É das duas últimas situações que se ocupa o restante da primeira parte do artigo. Ele visa estabelecer de forma sucinta o ensino bíblico sobre o homossexualismo e refutar algumas das alegações de que tal estilo de vida é aprovado (ou pelo menos tolerado) nas Escrituras.

Além disso, parece importante levantar informações relevantes sobre o que a ciência e a história da cultura têm dito sobre o homossexualismo e em que medida elas nos são úteis para a compreensão da questão. Na segunda parte do artigo tais informações serão discutidas e avaliadas.

Finalizando, cremos firmemente que os homossexuais que desejam libertação por meio de Jesus Cristo merecem nossa atenção e ajuda contra toda “repressão” determinista que hostiliza todo aquele que está disposto a mudar de vida para o seu próprio bem. É possível que a grande maioria das pessoas concorde plenamente que esses indivíduos não deveriam sofrer discriminação!

O HOMOSSEXUALISMO E AS ESCRITURAS

O Antigo Testamento

O Antigo Testamento (AT) fornece a base de qualquer consideração verdadeiramente teológica sobre a questão do homossexualismo. O ponto de partida de tal investigação é o fato do AT declarar, antes e depois da Queda do homem, que este é feito à imagem de Deus. As várias diretrizes que o AT apresenta quanto à conduta sexual do homem são baseadas nessa pressuposição, e representam não a vontade despótica de um Deus estraga-prazeres, mas a advertência amorosa de um Deus que informa como preservar o privilégio de sermos, na terra, reflexos dEle em nosso caráter e em nossos relacionamentos.

Os homossexuais estão certos em afirmar que sua “opção” sexual não é o único desvio condenado pelas Escrituras. Deixam, porém, de enfatizar a realidade de como tal “opção” viola a imagem de Deus. Para sermos honestos com eles, é significativo observar, antes de analisar o homossexualismo, como cada um desses desvios viola a imagem de Deus ou distorce o seu significado para o homem. Fica claro que todas essas práticas são pecaminosas e condenadas por Deus. Todavia, não se deve concluir que tais desvios são iguais perante Deus em todo e qualquer sentido. O bom senso certamente nos trará maior condenação e repulsa pelo incesto do que pela fornicação.

DESVIOS SEXUAIS PREVISTOS NO AT E SUAS IMPLICAÇÕES

PARA A IMAGEM DE DEUS

Passagem                  Desvio                                 Problema

 Dt 22:23-29         Fornicação                Desonra à imagem de Deus na outra pessoa

Dt 22:22                Adultério                   Viola a imagem de Deus que pertence a outrem (esposa e outra)

Lv 18:6-18             Incesto                       Viola a imagem de Deus por unir duas expressões muito próximas dessa imagem

Lv 18:23                Bestialidade              Viola a imagem de Deus por unir o que é Expressão da imagem com o que não é

Lv 18:22; 20:13   Homossexualismo    Viola a imagem de Deus por unir duas Expressões iguais dessas imagem, impedindo o reflexo da pluralidade e criatividade divina evidente na procriação

Dentre as várias passagens a considerar no Antigo Testamento, para estabelecermos um quadro relativamente completo do tema, certamente é preciso começar por aquela que é, aos olhos dos conservadores, a primeira condenação do homossexualismo, Gênesis 19:4-11. Defensores do estilo de vida gay transformaram esse capítulo de Gênesis num campo de batalha, com a esperança de desarmar aqui a pressuposição universal de que Deus não vê com bons olhos o homossexualismo.

Gênesis 19:4-11

A história é bem conhecida. Antes de enviar seu juízo contra Sodoma e Gomorra, o Senhor Deus enviou dois anjos para avisar Ló, sobrinho de Abraão, do que haveria de acontecer. A casa de Ló é atacada por uma turba de cidadãos de Sodoma que exigem que Ló apresente os dois visitantes para os conhecerem (19:5).

Sherwin Bailey, erudito anglicano que influenciou a alteração da lei britânica sobre sodomia, argumentou que o uso da palavra conhecer, hebraico yada’, indica apenas isso, que os homens de Sodoma queriam determinar com conhecimento de causa se aqueles dois estranhos, que haviam chegado à casa de um estrangeiro recém-radicado na cidade, não eram espiões.5 Assim, o crime de Sodoma teria sido simples falta de hospitalidade, não tentativa de abuso sexual. Em defesa de tal proposta alguns lançam mão de Ezequiel 16:49, alegando que o pecado de Sodoma foi exclusivamente orgulho e falta de compaixão para com o necessitado.6

Ninguém pode questionar que um sentido normal e muito freqüente do verbo hebraico yada’ é “conhecer, notar, observar, perceber”,7 com 929 de ocorrências no AT. Todavia o sentido majoritário de um termo não é o que determina o seu significado num contexto qualquer. O contexto faz exigências semânticas que somente uma eisegese pode ignorar. Em Gênesis, o verbo ocorre apenas doze vezes, e em dez delas tem o sentido indiscutível de relacionamento sexual. Além do mais, as palavras de Ló com respeito a suas filhas, “que não conheceram homem” (ARA, “virgens”), seriam puro nonsense caso o exegeta opte pelo sentido mais comum do verbo. Ainda além disso, a proposta de Ló à turba (“tratai-as como vos parecer”) seria totalmente desproporcional à exigência que (supostamente) lhe fora apresentada, descobrir a identidade dos estrangeiros que hospedara.

Os que advogam uma “inocente falta de cortesia” por parte dos sodomenses (para evitar idéias pré-concebidas) geralmente ignoram Judas 7. Esta passagem indica que os pecados de Sodoma e Gomorra incluíam “ir após outra carne” apelthousai opiso sarkos heteras e “praticar imoralidade grosseira ekporneusasai. Quando Judas 7 é lido à luz de uma visão global da história das civilizações cananitas, as prescrições mosaicas contra o homossexualismo e a bestialidade encontram nas palavras do irmão de Jesus um comentário sucinto e esclarecedor. A culpa dos moradores de Sodoma não pode ser limitada à falta de civismo e hospitalidade, exceto às custas da integridade exegética do intérprete.

Levítico 18:22 e 20:13

Estes dois versículos, que são, por assim dizer, comentários sobre o sétimo mandamento, dizem o seguinte: “Com homem não te deitarás, como se fosse mulher: é abominação” (18:22, ARA). “Se também um homem se deitar com outro homem, como se fosse mulher, ambos praticaram cousa abominável; serão mortos; o seu sangue cairá sobre eles” (20:13, ARA). Além de condenar com pena de morte a prática do homossexualismo, o texto o considera uma abominação to`evâ, termo que tem a idéia de provocar repulsa, ódio e rejeição. É muitas vezes aplicado as práticas detestadas por Deus como idolatria (Dt 7:25), bestialidade (Lv 18:26) e espiritismo (Dt 18:12).

As duas linhas de raciocínio empregadas pelos defensores do homossexualismo para anular o efeito devastador desses versículos são as seguintes. Em primeiro lugar, que tais versículos estão culturalmente datados e limitados por estarem inseridos no chamado “Código da Santidade”, um documento cuja preocupação central é o ritual religioso, não a ética social. Em segundo lugar, que esta e outras proibições “inocentes” da lei foram eliminadas pela vinda de Jesus Cristo, que é “o fim da lei” (Rm 10:4).

Não é preciso muito esforço para perceber que essas duas linhas de argumentação apresentam sérias deficiências lógicas e exegéticas. Só mesmo quem presume (e impõe ao texto do AT) uma completa dicotomia entre o movimento profético e a tradição sacerdotal em Israel aceitará que o Código da Santidade (cujos limites textuais são difíceis de definir) não contém implicações éticas. Só mesmo quem tem motivos ulteriores para eliminar o conceito de reprovação bíblica para o homossexualismo diria que a ausência de menções específicas nos escritos proféticos demonstra que os guardiões da moral israelita não viam na prática um problema ético.

Entre as práticas proibidas no chamado Código de Santidade estão o adultério, (“Nem te deitarás com a mulher de teu próximo, para te contaminares com ela”, Lv 18:20), a bestialidade (“Nem te deitarás com animal, para te contaminares com ele, nem a mulher se porá perante um animal para ajuntar-se com ele: é confusão”, Lv 18:23), e a dedicação de filhas à prostituição (“Não contaminarás a tua filha, fazendo-a prostituir-se; para que a terra não se prostitua, nem se encha de maldade”, Lv 19:29). Pela lógica dos que defendem o homossexualismo, nenhuma dessas ações teria implicações éticas, sendo apenas uma questão de identidade ritual do povo de Israel. A falácia de tal raciocínio fica evidente na condenação do adultério e da prostituição por quase todos os profetas escritores.

A ausência de menção ao homossexualismo nos profetas pode ser melhor explicada pelo fato dos profetas falarem diretamente às necessidades de sua geração, com base nas prescrições da Lei. Em 1 Reis 15:12 lemos que o rei Asa eliminou de Israel os prostitutos-cultuais de Judá. Isso poderia ter tido o efeito salutar de coibir a prática do homossexualismo e limitar as menções nos livros proféticos, todos posteriores ao reinado de Asa (911-870 a.C.).8

A teoria de que a lei terminou com a vinda de Cristo e que, portanto, qualquer proibição veterotestamentária foi ab-rogada revela uma insensibilidade teológica muito grande. Adotamos o ponto de vista de que, como um código de vida, um “pacote” por assim dizer, a Lei foi integralmente cumprida em Cristo (Rm 10:4) e que a mudança de sumo-sacerdócio indica a mudança de sistema de vida (Hb 7:11). Concordamos com os que afirmam que se fôssemos manter a proibição com base nos mandamentos do AT, deveríamos também manter a punição, a pena capital ali prescrita (Lv 20:13). Daí, todavia, a dizer que, por isso, toda a noção de lei foi abolida para o cristão e que os princípios de vida ilustrados na Lei são inúteis ou desnecessários, como advogam os pró-homossexuais, há uma gritante diferença. O princípio que governa a proibição ao homossexualismo também se percebe na revelação geral. A consciência não-programada refuga diante do pensamento da prática homossexual.

Um panfleto publicado pelo Grupo Gay da Bahia sugere que apenas 36% das culturas condenam o homossexualismo ao passo que 64% delas são favoráveis,9 mas o uso de tal estatística é claramente suspeito, primeiro pela sua terminologia: o que significa “ser favorável”? Aprovar, recomendar, ou simplesmente tolerar? É suspeito também por causa de sua “modernidade”. A atitude dominante nas sociedades modernas é a permissividade alienada, em que meia dúzia de cabeças pensa pelo restante da população, que aceita de maneira passiva estilos de vida absurdos, simplesmente porque figuras famosas os adotam. A maioria dos homens é a favor do sexo livre, até que sua filha resolve praticá-lo. Por fim, o que o panfleto não indica é que o estudo de onde a estatística foi extraída, realizada por C. S. Ford e F. A. Beach em 1951 e intitulado Patterns of Sexual Behavior (Padrões de Comportamento Sexual), focalizava 76 sociedades primitivas, não expostas ao cristianismo, e que em algumas delas a atividade homossexual estava ligada ao xamanismo. Naturalmente isso leva a pensar nas palavras de Paulo em Romanos 1, onde ele trata de idolatria e desvios sexuais, mas essa consideração deve aguardar ainda um pouco.

A falácia dessa posição também se vê no fato de que, embora despida de seu caráter comunitário nacional, a repulsa ao estilo de vida homossexual se encontra também no Novo Testamento (NT), nas cartas de Paulo (Rm, 1 Co e 1 Tm) e de Judas. Embora seja razoável supor que a razão principal de Paulo fazer restrições a esse estilo de vida tenha sido sua presença na lei mosaica, Morris tem alguma razão ao afirmar que, “a igreja os adotou… porque são princípios universais, eternos, que governam os relacionamentos da humanidade”.10

As duas linhas de raciocínio empregadas pelos pró-homossexuais para tirar de cena as proibições de Levítico são, portanto, inadequadas e inaceitáveis. Levítico confirma o que a história de Gênesis indicava desde o Éden. A normalidade humana aos olhos do Criador é que a sexualidade se expresse tal como foi criada, entre um homem e uma mulher.

1 Samuel 18:3-4; 20:41; 2 Samuel 1:26

O já citado panfleto do Grupo Gay da Bahia menciona o relacionamento entre Davi e Jônatas como indicação da antiguidade (e validade) do homossexualismo. Tal alegação não é nova nem criativa. Há muito que os dois heróis israelitas são reivindicados como símbolos da “normalidade” do homossexualismo. Para a pessoa predisposta é muito fácil impor nuances homossexuais às narrativas citadas. Difícil é sustentá-las à luz de um exame neutro do texto e das biografias dos dois homens.

Tanto Jônatas quanto Davi eram heterossexuais ativos. 2 Samuel 4:4; 9:3 e 1 Crônicas 8:34 indicam que Jônatas era casado e sexualmente ativo. A respeito de Davi é quase desnecessário mencionar suas seis esposas (2 Sm 3:1-5), o acréscimo de Bate-Seba (2 Sm 11:27), e as concubinas — cujo número varia entre dez (2 Sm 15:16) e oitenta, herdadas por Salomão (Ct 6:8). Assim, é improvável que houvesse tendências homossexuais em qualquer dos dois amigos.

Será, porém, que não teria havido um caso de bissexualidade por parte de ambos, episódios de homossexualidade opcional? Um detalhe exegético-literário dos livros de Samuel torna tal possibilidade muito remota. Esses dois livros cumprem o papel de demonstrar à nação israelita que sua sobrevivência política sempre se deveu à profundidade e à largueza da graça de Deus, não à capacidade de seus líderes e heróis. Eli é apresentado em todo o seu fracasso como pai e guia espiritual de Israel. Samuel, íntegro como profeta e juíz, também falha como pai e modelo (1 Sm 8:3). Saul, de tão auspicioso começo, acaba abandonado por Deus e encerra tragicamente sua vida no monte Gilboa por causa de sua rebeldia. Davi, a quem Deus promete não abandonar, é o mais visado em termos de repreensões divinas. Seu adultério e homicídio são vividamente denunciados pelo profeta (2 Sm 12); sua vida de atividade militar é apresentada como a razão para que não construísse o templo (1 Cr 22:8); sua transigência com a rebeldia de Absalão é veementemente denunciada por Joabe seu sobrinho e subordinado (2 Sm 19:5-7) e, por fim, seu orgulho foi repreendido quando do incidente do censo (2 Sm 24; 2 Cr 21). Tivesse ocorrido em sua vida uma ocasião que fosse em que a lei de Moisés tivesse sido tão flagrantemente desobedecida quanto num episódio homossexual, o historiador não a teria deixado passar em branco, especialmente porque, naqueles tempos, isso teria soado muito mais do que escandaloso e absurdo.

A frase tão cara aos homossexuais, 2 Samuel 1:26, “Angustiado estou por ti, meu irmão Jônatas; tu eras amabilíssimo para comigo! Excepcional era o teu amor, ultrapassando o amor de mulheres”, não afirma o que dela extrai o lobby gay. Duas considerações baseadas no texto original provam isso. A primeira vem do sentido amplo que a palavra hebraica ‘ahavâ possui, cobrindo basicamente o mesmo espectro da palavra portuguesa “amor”, que vai do mero desejo sexual (cf. 2 Sm 13) a expressões de apreço estético e moral. Seu significado num determinado contexto não pode ser definido pelo leitor, e sim pelo próprio contexto. A segunda consideração é contextual e devastadora para a posição pró-homossexual. As mesmas palavras usadas por Davi para expressar seu sentimento em relação a Jônatas — os verbos ‘ahav e na am, “amar” e “ser agradável”, respectivamente — são usadas no versículo 23 em relação a Saul, que obviamente não nutria por Davi o que se poderia chamar de uma relação amistosa. Não seria esta a prova suficiente de que o relacionamento de Davi e Jônatas superava o das mulheres, não porque tivesse expressão homoerótica, mas porque se situava num outro plano, porque era movido por verdadeiro altruísmo, respeito e admiração por valores morais como coragem, nobreza, sinceridade e devoção a Deus?

O Novo Testamento

O ensino do Novo Testamento sobre o assunto é geralmente minimizado pelos defensores do estilo de vida homossexual. Geralmente a primeira referência é ao silêncio de Jesus Cristo quanto ao assunto. Dizem que, “Jesus Cristo nunca falou sequer uma palavra contra gays e lésbicas. Condenou sim os hipócritas e os intolerantes”.11 A falácia de tal argumento é tanta que mal merece refutação, mas por amor a um tratamento completo vale a pena considerá-lo.

O homossexualismo certamente não é o único assunto sobre o qual Jesus nada falou. A seguir a linha de argumento acima proposta, teríamos de concluir que o uso de tóxicos, o estupro, o incesto, a escravidão humana são práticas legítimas, já que Jesus não as condenou especificamente, e que falar contra os que a praticam é ser hipócrita e intolerante. A verdade é que Jesus falou sobre relacionamentos sexuais, indicando que a impureza sexual, porneia, se origina no coração do homem e não precisa de consumação física para ser ofensiva ao caráter santo de Deus (Mt 5:27-30), indicando que o relacionamento original e ideal de Deus era heterossexual, monogâmico e permanente (Mt 19:3-12).

1 Coríntios 6:9-10

Cronologicamente esta é a primeira referência de Paulo ao assunto de homossexualismo. O texto diz: Ou não sabeis que os injustos não herdarão o reino de Deus? Não vos enganeis: nem impuros, nem idólatras, nem adúlteros, nem efeminados, nem sodomitas, nem ladrões, nem avarentos, nem bêbados, nem maldizentes, nem roubadores herdarão o reino de Deus. [ARA] O debate gira em torno das palavras gregas malakos e arsenokoites. A primeira delas é usada para descrever roupas e tecidos, indicando que são finos e suaves (Mt 11:8)12: indica ainda pessoas que são “macias, efeminadas, especialmente os catamitas, homens e meninos que se permitem ser usados homossexualmente”.13 Defensores do estilo de vida homossexual sugerem que a palavra era limitada aos meninos usados na prática da pederastia no contexto greco-romano, mas o uso em literatura extrabíblica sugere o contrário. Assim, Moulton e Milligan indicam que um músico, por nome Zenóbio, foi assim designado devido ao seu estilo de vida, e que o adjetivo foi “grafitado” numa inscrição macedônia para satirizar o modo de vida do homenageado.14 Acrescente-se a isso a distinção entre Paulo e Platão. Enquanto o primeiro faz constante referência ao substantivo arsen, Platão usa o termo neos, “jovem, novo” para descrever a parte passiva no relacionamento pederástico, que era comum no sistema educacional grego, que ele discute em suas Leis (8:836). Luciano, satirista e historiador do segundo século de nossa era, classifica como malakoi certos sacerdotes pagãos cuja vida era sexualmente promíscua.15 Mare endossa essa linha de pensamento ao descrever os malakoi como “prostitutos cultuais”.16

A conclusão mais plausível é que a palavra malakoi aponta para o indivíduo passivo numa relação homossexual. A Nova Versão Internacional traduziu assim a palavra em 1 Coríntios 6:9 (“homossexuais passivos”). C. K. Barrett, famoso erudito inglês, optou por essa mesma interpretação.17

A outra palavra descritiva empregada por Paulo é arshnokoithj, e aparece também em 1 Timóteo 1:10: “para os que praticam imoralidade sexual e os homossexuais, para os seqüestradores, para os mentirosos e os que juram falsamente; e para todo aquele que se opõe à sã doutrina” (NVI). A palavra é composta de duas outras: arsen que significa “macho”, com fortes conotações sexuais, e koite, que significa “cama, leito” em geral, mas que também é um eufemismo para relação sexual.18

Alguns defensores do chamado “homossexualismo monogâmico” sugerem que Paulo estava limitando sua condenação aos pederastas ativos, ou seja, àqueles que exploravam menores em relações sexuais, nada falando sobre relação homoeróticas entre dois adultos com mútuo consentimento. Tal sugestão, embora tenha um verniz de erudição, ignora o consenso dos lexicógrafos, que atribui à palavra arsenokoites o sentido mais amplo de homossexual ativo. Além disso, o contexto de uso do termo, é uma lista de vícios muito abrangente, encabeçada pelo adjetivo inclusive pornos, “imoral” ou “sexualmente impuro”.

Paulo está visando aquelas práticas que testemunhara em Corinto, cidade de moral extremamente baixa, em que os vícios dos romanos se juntavam à “sofisticação” intelectual dos gregos para produzir um ambiente de promiscuidade e permissividade sem igual no império romano. Sua preocupação não é delimitar o caráter explorativo ou consentido dos vícios alistados. Não há adultérios explorativos e adultérios não-explorativos, nem avareza responsável e avareza irresponsável, roubo explorativo e roubo não-explorativo. Independentemente do consentimento dos participantes e demais envolvidos, todas as práticas aqui descritas pelo apóstolo são deploráveis e condenáveis.

Se, por um lado, tal perspectiva é muito negativa para os ouvidos modernos, por outro lado, nesse mesmo texto, o homossexualismo é percebido dentro de uma perspectiva não-determinista. Enquanto muitos “defendem” os homossexuais por ser essa a sua condição, ainda que evidências mostrem que a esmagadora maioria deles gostaria de ser diferente e sofre com as suas inclinações, Paulo apresenta uma esperança nítida, já demonstrada na história da vida de alguns ex-homossexuais transformados. O imperfeito do verbo ser (v.11) aponta para o que eles foram no passado, o que fica mais forte com a adversativa alla que enfatiza o contraste entre o presente e o passado, o que exige uma transformação.19

Romanos 1:26-27

Por causa disso Deus os entregou a paixões vergonhosas. Até suas mulheres trocaram suas relações sexuais naturais por outras contrárias à natureza. Da mesma forma, os homens também abandonaram as relações naturais com as mulheres e se inflamaram de paixão uns pelos outros. Começaram a cometer atos indecentes, homens com homens, e receberam em si mesmos o castigo merecido pela sua perversão [NVI].

Esta passagem é a que mais tem sido empregada pelos pró-homossexuais na tentativa de reverter o quadro de condenação à pràtica no Novo Testamento.

A primeira estratégia é afirmar que Paulo estava, nessa passagem, impondo sua ética judaica aos seus leitores que viviam sob uma ética greco-romana. Essa é a visão de Letha Scanzoni, uma erudita protestante norte-americana que recentemente admitiu publicamente seu lesbianismo. Em seu livro Is The Homosexual My Neighbor? (Será que o Homossexual é o Meu Próximo?), Scanzoni e Mollenkott afirmam: “…é duvidoso que Paulo esteja escrevendo sobre natureza no sentido de costume, a não ser que se refira a uma violação de leis ou costumes judaicos”.20 Duas razões devem ser consideradas na avaliação dessa teoria.

Em primeiro lugar, é preciso dar o devido valor ao cosmopolitanismo de Paulo. Educado em Tarso, terceiro centro cultural de sua época, Paulo certamente conhecia bem sua cultura greco-romana. Ele podia citar de memória Arato e Epimênides, e citava em suas cartas listas de virtudes aprovadas pelos estóicos e listas de vícios por eles condenados. Sugerir que Paulo era intelectualmente bitolado pelo seu judaísmo é simplesmente ignorar a evidência disponível.

Em segundo lugar, o uso do adjetivo grego fusike e do substantivo fusis apontam não para um costume judaico, mas para a constituição ou estrutura de um indivíduo conforme determinada pelo Criador, não condicionada por cultura ou decisão própria.21 Esse é o sentido que Paulo dá ao substantivo e aos adjetivos relacionados em outros trechos como Romanos 11:21 e 1 Coríntios 11:14, “Ou não vos ensina a própria natureza fusis que é desonroso para o homem usar cabelo comprido?” Este texto encontra paralelo marcante nos escritos de Epicteto, filósofo estóico posterior a Paulo.22 Teólogos e ministros evangélicos que desejem afirmar que “natureza” em Romanos 1 significa apenas a genética individual do homossexual rejeitam até mesmo a opinião do famoso Platão, que afirmou em suas

Leis (2:636):

Penso que o prazer que pode ser considerado natural é aquele que advém do intercurso entre homem e mulher; todavia, o intercurso entre homem e homem, ou entre mulher e mulher, é contrário à natureza, e a ousada tentativa [de praticá-lo] se deveu originalmente a uma cobiça desenfreada. Os cretenses sempre foram acusados de terem inventado a história de Zeus e Ganimedes porque queriam justificar-se no desfrute de prazeres antinaturais pela prática do deus que eles consideravam seu legislador.

  1. E. B. Cranfield, autor do mais conceituado comentário sobre o livro de Romanos existente em nosso idioma, escreve:

Por “natural” e “contra a natureza” Paulo significa claramente “em conformidade com a intenção do Criador”, respectivamente. Não é impossível que Paulo tivesse algum conhecimento da grande importância que “natureza” tivera no pensamento grego durante séculos; é muito provável que ele estivesse ciente do seu emprego na filosofia popular contemporânea. Contudo, o fator decisivo no emprego que dela faz é a sua doutrina bíblica da criação.23

Tal como Jesus fizera com os fariseus, no debate sobre o divórcio, Paulo leva seus leitores (e interlocutores) além das diferenças éticas entre judeus e gentios, até o momento indiscutível do estabelecimento da fusij humana e do relacionamento sexual conforme concebido por Deus. O próprio uso da expressão homoiomati eikonos, “semelhança da imagem”, no versículo 23 aponta para o linguajar da narrativa de Gênesis 2 e para o relacionamento que de fato refletiria não apenas a intimidade, o mútuo amor e respeito da Trindade, mas também o poder criativo do Deus que criara Adão e Eva como sua imagem.

A segunda estratégia para eliminar esta passagem como argumento anti- homossexual é a de que Paulo não estava condenando o homossexualismo em si, mas perversões homossexuais praticadas por heterossexuais, ou conforme chamados hoje em dia, bissexuais. Mesmo John Stott, cuja posição no assunto pretende um equilíbrio sugere que esta era a posição de Paulo. Ele diz: Embora Paulo nada soubesse da moderna distinção entre os “invertidos” (que têm predisposição homossexual) e os “pervertidos” (que, embora heterossexualmente predispostos, envolvem-se em práticas homossexuais), é a estes últimos que está condenando, não aos primeiros. Isso deve ser assim, porque são descritos como pessoas que “abandonaram” as relações naturais com as mulheres, ao passo que nenhum homem exclusivamente homossexual as teria experimentado.24

Tal argumento não é sustentável por duas razões. Em primeiro lugar, o contexto da passagem é universal, e não individual. Paulo não tem em vista indivíduos, mas aquela espiral descendente em que toda a raça participa. Nos outros vícios e pecados presentes na passagem não se pode diferenciar entre depravações naturais e anti- naturais, entre calúnias responsáveis e irresponsáveis. Além disso, o paralelismo entre os verbos metelaksan, “trocaram”, e aphentes, “deixando”, sugere que Paulo não está pensando em uma adição de atos homossexuais a um comportamento heterossexual, mas na completa rejeição da ordem criada em favor da perversão ditada pelas “paixões vergonhosas” (v. 26). McQuilkin concorda e afirma:

Na verdade Paulo não fala de um declínio individual de um grau de escuridão para outro inferior, mas do declínio de toda a sociedade, embora, é claro, um indivíduo possa seguir o mesmo curso. Como faz em outros assuntos, Paulo aqui identifica a ordem natural das coisas e diz que o pecado homossexual a viola. Ele não fala da violação do que poderia ter sido a natureza particular de um indivíduo. Identificar gaivotas que se acasalam com o mesmo sexo ou documentar que entre 2 e 4 por cento dos indivíduos de uma população são totalmente invertidos sexualmente não prova que essa é a ordem normal das coisas. Pode bem ser evidência do contrário. Uma aberração não se constitui em algo natural simplesmente em virtude de sua existência.25

Em segundo lugar, aos que advogam que Paulo tinha em mente apenas a prática abusiva da pederastia, fica o ônus de provar por que ele teria mencionado a prática do lesbianismo. Claramente, ele tinha mais em mente que “simples” pederastia. O conhecimento generalizado do comportamento devasso dos três últimos imperadores romanos e da licensiosidade de suas cortes faria com que mesmo o menos perspicaz dos leitores originais de Romanos definisse bem o alvo das palavras do apóstolo.

Como um adendo a essas duas observações, vale a pena observar a tríplice ocorrência do sinistro refrão paredoken autous ho theos em nosso texto (Rm 1:24, 26, 28). Nas suas três ocorrências em Romanos 1 e na ocorrência única em Atos 7:42, o verbo paradidomi descreve um ato judicial em que o curso de ação escolhido por uma sociedade, em desafio à ordem exigida por Deus, acaba por ser determinado soberanamente como o instrumento de juízo contra aquela sociedade. A linguagem de Paulo em Romanos, em que o homem preferiu glorificar a criatura (pássaros, quadrúpedes e répteis, v. 23) em lugar do Criador, sugere mais uma vez que seu referencial é a Criação. Por isso, alegar que tinha em mente apenas abusos homossexuais por heterossexuais, deixando aberta a porta para o homossexualismo como uma forma apropriada de relacionamento conjugal (ou meramente sexual), é ignorar o texto, o contexto e a teologia do autor em favor de pressuposições ou preferências pessoais.

Esclarecida a perspectiva paulina, vale ainda ressaltar a situação da homossexualidade no contexto do capítulo. Paulo apresenta a decadência espiritual do mundo gentio que é iniciada com a rejeição da revelação natural de Deus (Rm 1:19-21), a prática da idolatria (v. 23) e a imoralidade homossexual (vv. 26-27). Dois elementos aqui merecem nossa atenção, conforme percebeu J. D. G. Dunn26:

(1) A imoralidade sexual é conseqüência da ira de Deus, (Käsemann); e (2) há uma relação nada acidental entre idolatria e imoralidade. A rejeição da revelação divina provoca maldição na cultura, levando-a a um processo de degeneração. A idolatria marca essa descida em direção ao caos, pervertendo a visão da realidade e da prática humana.

Em certo sentido, a adoração dos deuses criados pelo homem não passa de uma adoração disfarçada e dissimulada do próprio homem, isto é, de si mesmo. Assim os deuses criados são feitos conforme os anseios e desejos humanos (muitas vezes maus). Aparece aí a face narcisista da idolatria. Nasce um voltar-se para si como ponto de referência absoluto. É mais do que evidente que o narcisismo egocêntrico é absolutamente compatível com o homossexualismo, onde não se ama o diferente, mas sim o semelhante. Não acho espaço para sentir-me atraído por aquilo que é distinto e complementar em relação à minha especificidade sexual. Ao contrário, a derivação homossexual da idolatria tem de fato a conotação do que poderíamos chamar de “o elogio do espelho!” Cremos que tais observações serão úteis para a percepção da lógica interna existente entre esses elementos.

O HOMOSSEXUALISMO PERANTE A CULTURA OCIDENTAL

Um Pouco de História

Antiguidade Oriental e Clássica

Aparentemente não há quase nada com respeito à prática do homossexualismo nas grandes civilizações do crescente fértil. Tanto o Egito, como a Assíria e a Babilônia, incluindo sumérios e acadianos, deixaram muito pouca informação sobre o problema da homossexualidade nos tempos antigos. Isso parece sinalizar para a raridade de tais práticas nos primórdios da civilização. Todavia sabe-se, pelo menos, que egípcios e assírios proibiam a prática homossexual.

Os textos bíblicos do Antigo Testamento, especialmente Gênesis 19, e a civilização greco-romana são as principais fontes da antiguidade sobre o assunto. Pelos próprios textos bíblicos sabe-se que os povos vizinhos dos hebreus (cananitas e outros) conheciam tal comportamento, que tinha normalmente vínculo com práticas rituais e religiosas.

Foi na civilização grega que o pecado de Sodoma se manifestou mais nitidamente.27 Tal herança histórica cognominou-o de “vício helênico”. Apesar da fama, parece que os gregos, de modo geral, não entendiam a homossexualidade como virtude. Não havia uma prática do sexo pelo sexo. O código de Licurgo chegou a condenar a relação sexual entre homens com pena de morte. Os efeminados eram desprezados. O relacionamento íntimo entre dois homens adultos era mal visto. Todavia, não se pode ocultar a existência do homo-erotismo grego, que incluía relações sexuais, que transformou tal prática até mesmo num ideal. Especialmente em Creta e em Esparta (povos dóricos) manifestou-se um tipo de homossexualidade militar. Tal prática era ligada à bravura e à coragem na mentalidade dos antigos helenos. Em Esparta tornou-se lei, prescrita pelo governo; um rapaz sem amante era punido. A prática homossexual ainda tornou-se um ideal pedagógico, de modo que se falava da pederastia como educação. Para o homem grego, a educação residia essencialmente nas relações profundas entre o mestre e seu discípulo jovem, o que envolvia inclusive relacionamento sexual entre o mais velho e o mais jovem. Nesse contexto, a pederastia chegou ainda a ser considerada a forma mais perfeita de educação. Naturalmente tal postura alcançou os mais nobres membros da sociedade. Entre eles, o próprio Sólon, criador da Democracia de Atenas, mostrou-se apreciador de tais práticas. É bem possível que muitos gregos famosos na história estivessem incluídos em tal comportamento. A homossexualidade feminina teve sua representante grega na figura de Safo, a poetisa da ilha de Lesbos (séc. VII a.C.), que desenvolveu uma educação lésbica focalizando especialmente o aspecto artístico e corporal.

A Roma decadente mostrou uma imoralidade grosseira que não excluía o homossexualismo. Afrouxadas as rédeas morais dos tempos de Catão (234-149 a.C.), quando os papéis femininos e masculinos eram bem estabelecidos na sociedade, constatou-se os exemplos mais execríveis da história romana: Júlio César (101-44 a.C.) foi descrito como omnium virorum mulierem et omnium mulierum virum (mulher de todos os maridos e marido de todas as mulheres); a ele se juntam Antônio, Domiciano, Nero, Tibério, Adriano, Heliogábalo e outros que se tornaram famosos nos escritos de Suetônio pela vida licenciosa que tiveram.28

Idade Média

A cristianização do Ocidente firmou a concepção judaico-cristã sobre a questão. Os textos bíblicos lidos em sua literalidade levou a igreja primitiva à condenação da prática homossexual. Tertuliano (160-220) refere-se à questão assim: “rejeitamos todos os outros delírios das concupiscências que excedem as leis da natureza e são ímpios para com ambos os corpos e sexos… pois eles não só são pecados como também monstruosidades”. João Crisóstomo (344-407) afirma que: todo prazer genuíno é de acordo com a natureza; os prazeres da sodomia, por sua vez, são um insulto imperdoável à natureza… semeiam desarmonia e contenda entre o homem e a mulher que já não são mais impelidos por seus desejos físicos para viverem juntos em paz.

Agostinho (354-430) declarou: Os feitos… cometidos em Sodoma, deveriam ser sempre e em todo lugar detestados e punidos. Se todas as nações fizessem tais coisas, deveriam ser igualmente consideradas culpadas do mesmo crime pela lei de Deus que não criou os homens para que se utilizassem uns dos outros de tal maneira. Com tais idéias bem estabelecidas, o Edito de Teodósio, do ano 390, instituiu a pena de morte para os sodomitas.29 Posteriormente, na alta Idade Média, Tomás de Aquino (1225-1274) manteve a mesma posição considerando o homossexualismo como peccata contra naturam (pecado contra a natureza).30

Com todas as possíveis contradições e a prática imoral dentro da Igreja Católica nos tempos medievais, fica claro, porém, que a norma estabelecida no contexto da sociedade era a proibição, condenação e punição da homossexualidade. O desdobramento da mentalidade medieval se manifestou na Santa Inquisição. Os dados da inquisição de 1547-1768, só em Portugal, por exemplo, apresentam os seguintes resultados no que diz respeito à atitude para com os homossexuais: 447 foram presos, 56 torturados, 124 degredados, 165 condenados às galés e 30 queimados na fogueira.31 Em três séculos um número de quase 500 homossexuais foi envolvido nos processos inquisitoriais em Portugal.

Reforma e Época do Iluminismo

No contexto da Reforma, tanto Lutero como Calvino, em seus respectivos comentários de Romanos, reafirmaram a posição neotestamentária, embora Lutero visse o homossexualismo e o heterossexualismo como atitudes igualmente idólatras. Já Calvino definiu a sodomia como “um crime terrível de concupiscência não natural”. Dentre as confissões reformadas, o Catecismo de Heidelberg foi a única que achou necessário especificar a condenação do homossexualismo, na Questão 87, parte III: “…ninguém que seja culpado ou de adultério ou de perversão homossexual, nenhum ladrão… herdará o reino de Deus”.32 O extremo da rejeição da homossexualidade no contexto reformado ocorreu na Holanda calvinista, onde só de 1730-1732 foram presos 300 sodomitas, 70 dos quais condenados à morte.33 Na Inglaterra do século XVI, a pena de morte aos sodomitas também era aplicada.

O advento da modernidade, o conhecimento de outros povos e culturas e o crescente pluralismo da cultura européia, abriu espaço para a maior expressão homossexual na cultura. Os registros históricos nos falam de muitos casos de homossexualismo, especialmente da nobreza, em diversos países  europeus. Tais suspeitas não excluíam os sacerdotes católicos romanos. Até o contato dos europeus com os muçulmanos parece não ter trazido registros diferentes. William Lithgrow, um escocês perseguido pela inquisição, viajou muito pelo Oriente Médio e concluiu que “os turcos eram geralmente viciados na sodomia”.34 Apesar do islamismo condenar tanto o homossexualismo como o faz o cristianismo, nem sempre suas proibições foram suficientes para coibir a prática. Sabe-se que os arabes pré- islâmicos não viam as práticas homoeróticas como algo incompatível com o heterossexualismo.35 O islamismo, todavia, deixou muito clara a nova postura, condenando o homossexualismo como ato pervertido, inversão da ordem natural, corrupção da sexualidade do homem e um crime contra os direitos das mulheres. Em alguns contextos, ainda hoje, a prática é punida com a morte.36 Apesar disso, nem o cristianismo ocidental clássico, nem os rigores punitivos do islã conseguiram conter a presença da sodomia em seus meios.

Época Moderna

A grande mudança com relação à tolerância para com o homossexualismo nos tempos modernos se deu em 1810, com a proclamação do Código de Napoleão, que permitia a prática homossexual entre dois adultos. Tal medida foi seguida por alguns estados alemães como a Bavária em 1813, ficando a Prússia como a principal resistência a tal descriminalização.37

O fim do século XIX parece ter visto uma manifestação expressiva do homossexualismo. Nessa época o homossexualismo começa a ser visto mais como doença ou distúrbio, em função do advento da psicanálise e do desenvolvimento da medicina, do que como pecado ou problema ético. Em 1869, o médico húngaro Karoly Benkert, pioneiro dos direitos dos sodomitas, cunhou o termo homossexual.38 Livros da época comentam a questão e descrevem como eram freqüentes os diversos tipos de depravação moral.39 A reação a tal postura foi vista nas legislações alemã (1871) e britânica (1885) que aumentam a repressão à homossexualidade. Foi nessa época, em 1897, que nasceu a primeira organização gay. A organização foi fundada em Berlim, que tinha uma vida homossexual intensa na época, por Magnus Hirschfeld, recebendo apoio de muitos alemães de classe alta. Hirschfeld fundou o que chamou de Comissão Científica Humanitária. Em 1919 fundou também o Instituto de Ciência Sexual que pretendia lidar com os problemas sexuais do ponto de vista científico, conforme se dizia. Nessa época proliferam literatura, filmes do gênero e pontos de encontro de homossexuais. Tendências semelhantes se verificaram especialmente na França e nos EUA nos anos 20. Nos EUA, as influências vindas da Alemanha foram percebidas pelos esforços de Emma Goldman. Em 1933, com o advento do nazismo, o instituto fundado por Hirschfeld foi destruído; por causa de suas idéias e do anti-semitismo, Hirschfeld acabou se refugiando na França.40 A Associação Internacional Gay, com sede em Dublin, foi chamada Centro Hirschfeld em homenagem ao referido pioneiro dos defensores dos gays.

Em nosso século, quatro movimentos autoritaristas reprimiram a homossexualidade. O nazismo enviava os homossexuais para campos de concentração, obrigando-os a usar um triângulo rosa e a executar trabalhos forçados. Calcula-se que entre 10.000 e 15.000 homossexuais foram presos em campos de concentração nazistas. Nos regimes marxistas da Rússia e da China, ainda que se negue a existência de gays, sabe-se que eles foram reprimidos. Na Argentina e no Chile, durante a ditadura militar, onde se diz ter havido forte perseguição. E finalmente no regime islâmico xiita de Khomeini no Irã que ordenava o apedrejamento dos sodomitas até à morte.41

Época Contemporânea

Por outro lado, nosso século viu uma expansão gay sem precedentes. As bases do movimento atual encontram-se na formação de grupos homossexuais especialmente na França, Suíça, Holanda, Escandinávia e nos Estados Unidos ainda na década de 40. Em 1951 surge a primeira entidade norte-americana de defesa dos gays, em Los Angeles, sob liderança de Henry Hay. Nos anos 60, o movimento de fato ganho o espaço. Em 1961 aparece o primeiro candidato político gay, José Sarria, em São Francisco. O movimento ganha força especialmente no fim da década, sentindo as influências do Relatório Kinsey (1948-53),42 cujas pesquisas afirmavam que um em cada dois americanos tinha experimentado pelo menos um contato homossexual, e que 4% da população do país era gay.43 Não se sabe, porém, o quanto tal relatório foi suficientemente acurado. O mais surpreendente aconteceu em 1968, quando foi fundada em Los Angeles a primeira igreja “cristã” gay.44 Surgem, em seguida, grupos religiosos católicos e judaicos de mesma tendência. Há descriminalização geral da prática homossexual nos países europeus e em diversos estados americanos, ainda que muitos estados mantenham-se resistentes até hoje. A década de 70 foi crucial para o movimento chegar à sua expressão atual, conforme observou D. Altman.

Os anos 70 viram o início de uma transição em larga escala no status da homossexualidade de desvio ou perversão para um estilo de vida alternativo ou (condição de) minoria. Tal mudança foi notável na caracterização do “homossexual” como o foi a invenção original da categoria no século dezenove. Juntamente com tal mudança, os homossexuais foram postos de maneira crescente num papel de vanguarda com respeito às mudanças de ordem social e sexual, dignas de considerável atenção pela mídia. Alguns escritores e artistas gays especularam que os anos oitenta veriam de modo claro os homossexuais dominarem grande parte da vida cultural, sob as queixas dos conservadores de que já seria esta a situação. E o “gay chic” emergiria nas colunas dos jornais.45

Apesar dessas mudanças, que levaram a Associação Psiquiátrica Americana a retirar a homossexualidade da condição de doença mental em 1973, a igreja evangélica, além de outros segmentos da sociedade, permaneceu firme na sua oposição á prática da homossexualidade. O eminente teólogo Karl Barth, ainda que anterior à década de 70, manifesta tal posição:

…a perversão real toma lugar, inicia-se a decadência e a desintegração, onde o homem não verá seu companheiro do sexo oposto e conseqüentemente a forma primeira homem-companheira, recusando-se a ouvir à sua pergunta e dar-lhe uma resposta responsável, mas tentando ser humano em si mesmo como homem ou mulher soberanos, alegrando-se em si mesmo, na auto-satisfação e auto-suficiência. O mandamento de Deus opõe-se ao esotérico maravilhoso desta beata solitudo… À medida que ele aceita tal percepção, a homossexualidade não pode ter lugar em sua vida, quer em suas formas mais refinadas quer em suas formas mais cruas.46

Todavia, ainda que os evangélicos tenham mantido tal posição, muitos grupos protestantes abriram espaço para aceitação de homossexuais em seus redutos, chegando ao ponto de abrir espaço para a ordenação de ministros homossexuais.

Nos últimos 15 anos, décadas de 80 e 90, a popularidade da simpatia à prática da homossexualidade foi especialmente disseminada pela indústria cinematográfica. Filmes como Making Love (82) e Filadélfia (93) marcam a tendência de se perceber o homossexual como um indivíduo bom e discriminado por uma sociedade injusta para com ele. Os países latino-americanos, tradicionalmente considerados machistas, observam um aflorar nítido do homossexualismo. No Brasil, é formado o Grupo Gay da Bahia, e a televisão passa a vender a idéia do homossexualismo como algo bom e desejável. Apesar desse quadro, tanto no Brasil como em outros países, ainda é enorme a cifra dos que desaprovam a conduta homossexual. Uma pesquisa realizada em 1981, 70% dos entrevistados se declararam radicalmente contra o homossexualismo, sendo que apenas 4% deles se mostraram totalmente a favor.47 O resultado levou os pesquisados a serem chamados de preconceituosos pelos próprios pesquisadores! Finalizando este resumo histórico, vemos que estamos atualmente diante de um quadro difícil. De um lado os grupos gays organizados em vários países pretendem ampliar “suas conquistas”. Em Amsterdã há uma publicação anual gay feita em quatro línguas, equivalente a um “almanaque abril” ou “batalha mundial” homossexual, que traz inúmeras informações e detalha os avanços dos “irmãos gays”, conforme eles mesmos se expressam. Por outro lado, os moralmente mais conservadores da sociedade e os cristãos que se baseiam nos ensinos bíblicos mantêm seu repúdio à prática homossexual e procuram ajudar os que, compreendendo a realidade e as conseqüências do pecado, desejam se libertar dela.

As Causas do Homossexualismo

Dentre as mais diversas e possíveis causas do homossexualismo, duas categorias básicas têm sido destacadas: a base biológica; e a influência ambiental- psicológica.

Do ponto de vista da ciência, não há uma conclusão definitiva. Todavia o peso das evidências tende a favorecer nitidamente a influência ambiental- psicológica. Pesquisadores como Kallman (1952), Dörner (1975) e Levay (nos anos 90) tentaram fortalecer a idéia de que haveria uma base genética ou uma causa física para a homossexualidade, hipótese levantada como provável pela verificação de prática homossexual entre animais. Ainda que prossigam tentativas nesse sentido, as causas biológicas, especialmente genéticas, não foram demonstradas. A própria idéia de “transmissão genética do homossexualismo” é um tanto quanto estranha! Conforme percebeu William H. Perloff, algumas experiências apontaram para a impossibilidade de uma determinação biológica da homossexualidade.

Estudos dos sistemas endócrinos de indivíduos homossexuais não demonstram variação constante ou significativa da média do respectivo sexo somático. A administração de grandes quantidades de estrógeno a homens normais diminui suas libidos em alguns casos, mas não aumenta sua atração por outros homens… A administração de grandes doses de andrógeno a mulheres normais pode intensificar suas libidos …mas não as faz assumir papéis sexuais masculinos… Deve-se concluir que a homossexualidade é um fenômeno puramente psicológico, independente de um padrão hormonal para a sua produção e não suscetível de modificação por substâncias endócrinas.48

Todavia, apesar de sua força, tais observações podem não ser conclusivas, e talvez seja possível admitir algum fator genético/biológico predisponente para a homossexualidade, o que poderia estar de acordo com a presença do pecado na raça e com toda sorte de deformidades e anomalias resultantes da ruptura entre homem e Deus na queda. Ainda que isso seja possível, parece muito nítido que o peso do fator ambiental-psicológico é bem mais determinante. A maioria dos homossexuais apresenta constituição física plenamente compatível com um papel heterossexual.

Parece, portanto, válido dar atenção à hipótese ambiental-psicológica. Os estudos na área psicológica têm apontado para o fato de que situações históricas específicas na vida podem contribuir para a formação de uma conduta homossexual. O próprio S. Freud considerava a homossexualidade um desvio, devido a aberrações no desenvolvimento emocional da criança. As pesquisas têm demonstrado que uma relação de ruptura/apego com respeito ao pai/mãe têm papel deveras relevante enquanto causa da homossexualidade. Conforme descrito por Cornelia Wilbur, o problema é visto da seguinte maneira, exemplificando o homossexualismo feminino:

O modelo homossexual parece ter ligação com tipos específicos de constelações familiares, a mais comum das quais provavelmente inclui uma mãe dominadora, hostil e anti-heterossexual e um pai fraco, omisso, desligado e inexpressivo. A ambivalência e a hostilidade da mãe podem tender a intensificar os problemas edipianos com o pai…  As relações sexuais femininas caracterizam-se por uma grande ambivalência, um grande anseio de amor, intensos elementos de hostilidade e a presença de uma ansiedade crônica.49

Com uma avaliação na mesma linha, os alunos do Seminário Talbot (La Mirada CA) traçaram um perfil dos pais de homossexuais que estavam recebendo aconselhamento.50

Com respeito à mãe, concluiu-se que ela:

  1. preferia o filho que se tornou homossexual;
  2. era dominante;
  3. gastava tempo acima da média com seu filho;
  4. não reforçava atividades e atitudes masculinas no filho;
  5. exigia ser o centro da atenção do filho;
  6. desencorajava atitudes e atividades masculinas no filho;
  7. reforçava atitudes e atividades femininas no filho;
  8. tomava o lado do filho em oposição ao marido;
  9. preferia o filho ao marido abertamente;
  10. preocupava-se indevidamente em proteger o filho de machucar-se
  11. na infância, tornou o filho muito dependente de si mesma quanto à tomada de decisões e na tarefa de dar conselhos.

Com respeito ao pai, conclui-se que ele:

  1. preferia um dos outros filhos;
  2. o filho homossexual era o filho menos amado;
  3. gastava muito pouco tempo com este filho;
  4. conforme o filho, não o aceitava nem o respeitava;
  5. falhou em reforçar atitudes masculinas no filho.
  6. era odiado ou temido pelo filho.
  7. era pouco respeitado e aceito pelo filho.
  8. não expressava afeto pelo filho.
  9. era menos respeitado pelo filho do que outros parentes (homens).
  10. não era apoiado pelo filho em seus argumentos.
  11. seu filho tinha mais facilidade de relacionar-se com a mãe.
  12. conforme o próprio filho, via as posições do filho como algo que o feria e o irritava.
  13. na opinião do filho, não considerava suas necessidades.
  14. não era visto com admiração pelo filho.

Ainda que todas essas características tenham um papel relevante contribuindo para a formação de um conduta homossexual, isso não exclui a participação do indivíduo, que também toma esta atitude por sua deliberação. Somos, pelo menos parcialmente, um produto do meio, frente ao qual reagimos. Isso significa que as influências sejam importantes, a nossa reação e atitude perante elas são determinantes. O homem é o que ele faz, pelo menos em parte. Nem todos que tiveram pais de perfil semelhante reagiram de modo igual. É importante reforçar a liberdade do homem, condição fundamental de sua humanidade. Há, de certa forma, uma cumplicidade por parte da “vítima” de qualquer processo ou experiência negativa, quanto esta resolve se entregar a determinados delitos por isto ser-lhe agradável, cômodo ou servir-lhe de expressão de revolta ou ainda de autocomiseração. Deve ficar claro que uma relação de afeto demasiado entre mãe/filho e pai/filha, ou uma ruptura profunda entre pai/ filho e mãe/filha, às vezes acompanhados de experiências homossexuais na infância, são elementos fundamentais para a “homossexualização” de alguém. Todavia, há sempre um caminho de retorno por meio de uma tomada de atitude, de um abrir-se para curar os traumas do passado por meio da graça de Deus em Jesus Cristo.

O Que Fazer?

Prevenção

Parte deste artigo é inspirado por um pedido de ajuda de um jovem envolvido no homossexualismo que, em aconselhamento pastoral, solicitou ajuda para libertar- se de seu pecado. Numa carta ele afirmou ter sido criado numa igreja batista, e que, mesmo assim caiu em tal situação. A carta também dizia: “Eu quero ser liberto, e não importa o que eu tenha que fazer…” Aquele jovem suplicou que se falasse mais sobre o problema, pois ele tinha consciência de que a ocorrência de casos de homossexualismo no próprio meio evangélico era maior do que se podia imaginar. Por outro lado, fiquei muito feliz ao receber o convite de casamento (heterossexual!) de um moço, ex-travesti, convertido há vários anos, e obreiro em uma instituição evangélica. Em vista disso e de tudo que temos visto, tentaremos apresentar alguns conselhos:

  1. Desenvolver ministério de família. A ênfase demasiada num evangelho que enfatiza a relação do indivíduo isolado com Deus, pode deixar de lado os relacionamentos com o próximo/familiares. Nasce aí a oposição família/igreja. Ser pai e mãe precisam ser vistos como ministérios importantíssimos. Ninguém pode ser espiritual e atuar na igreja, sem antes cuidar bem de sua casa (1 Tm 3:5). Os pais precisam criar um ambiente saudável para o crescimento dos filhos e exercer disciplina e amor no lar.
  2. Conscientização. Falar mais a respeito do problema, conscientizando o povo de Deus da realidade e do perigo do homossexualismo. As pessoas cuja postura podem estar favorecendo tal resultado precisam ser Por exemplo, a mãe que sofre com um marido difícil não deve descarregar a ira contra o marido perante seus filhos, tornando-os aliados contra o pai.
  3. Trabalhar as Conforme descreveu Edgar Morin,51 vivemos numa época onde o feminino tem certa preponderância na sociedade. Fora dos ambientes esportivos, há pouco espaço para a manifestação do masculino exclusivo no mundo moderno. Há uma cultura do neutro, conforme percebeu Charles E. Winick. Ele compara nossa cultura com os antigos gregos e observa: “Os atenienses de períodos posteriores acreditavam não haver diferença de princípio ou linha divisória entre homens e mulheres e que nada era exclusivamente atraente para um sexo ou repelente para o outro”.52 Há uma ênfase naquilo que é igual no homem e na mulher, e repudia-se qualquer coisa que seja “só de homem” ou “só de mulher”. Tais linhas divisórias são vistas como “preconceitos”. É fato que homem e mulher compartilham de muitas coisas, do contrário a comunicação entre eles seria impossível. Todavia, há elementos pertinentes à psicologia masculina e feminina que dizem respeito ao seu universo particular. Não há nada de errado com eles! A afirmação da identidade sexual de um menino ou menina tem a ver com o fato de fazerem certas coisas específicas de seu sexo. Por isso a igreja deve entender que não possui apenas pessoas em seu reduto, mas sim, homens e mulheres. Enfatizar demais as diferenças traz problemas (feminismo e machismo), mas enfatizar demais o campo intersecção também traz e trará problemas. A dificuldade específica que se enfrenta na igreja é que, por várias razões, tradicionalmente ela se mostra como um contexto de melhor expressão feminina. As sociedades femininas funcionam bem enquanto o trabalho masculino é difícil; os líderes falam da dificuldade de arrebanhar os homens e fazê-los atuar; o número de mulheres convertidas é bem maior do que o de homens; as moças sem namorado crente são sempre um desafio para os pais e pastores. Por que isso acontece? Há duas opções: ou as mulheres são “espiritualmente superiores” aos homens, ou o ambiente psicológico das igrejas não consegue atingir a mentalidade masculina. Evidentemente, a segunda opção é mais sensata. Logo é preciso criar atividades e reuniões onde os homens também se sintam à vontade. Algumas diferenças interessantes são: os homens costumam ser frios e calculistas, as mulheres mais emotivas e intuitivas; os homens são mais retraídos e falam pouco de si, as mulheres são mais sociáveis e falam mais facilmente de seus problemas; os homens gostam mais de brincadeiras mais agressivas (aceitam sujar-se na lama, contam piadas, são mais irônicos), as mulheres gostam de brincadeira românticas, que envolvem curiosidade (não costumam contar piadas nem gostam de apelidar e ironizar). Evidentemente são distinções genéricas. Finalizando, se não houver um ambiente propício para a manifestação de uma masculinidade ou feminilidade, a igreja poderá ser palco de pessoas “mais neutras”.
  4. O cuidado dos filhos. Vivemos num tempo em que criança tornou-se sinônimo de trabalho e canseira. Logo, muitos filhos são deixados com qualquer pessoa desconhecida e com qualquer “amigo”. É preciso lembrar que tem se multiplicado o número de crianças que têm sido abusadas, especialmente de modo homossexual. Assim, os pais precisam ter cuidado com respeito a tal possibilidade. Uma experiência desse tipo na infância tem consequências tremendas, algo que qualquer consultório pastoral pode atestar.

Terapia

Tem sido relativamente fácil comentar e analisar as possíveis causas do homossexualismo, mas parece bem mais difícil levar alguém a sair de tal situação. Esperamos que alguns conselhos sejam úteis nesse sentido.

  1. O trabalho de recuperação sempre será a longo Soluções instantâneas dificilmente ocorrerão. É necessário paciência e trabalho árduo.
  2. O conselheiro deve levar o aconselhado a ter esperança de mudança. Não se deve permitir uma postura do tipo “eu sou assim mesmo”.
  3. O aconselhado deve saber que suas tendências e práticas passadas o farão viver em constante luta. Ele precisa saber que assim como percorreu um caminho de ida para o homossexualismo terá que trilhar um caminho de volta, que será difícil, mas vitorioso.
  4. A questão deve ser posta como pecado. Atenuando a realidade do pecado não se cura o Conforme percebeu Lutzer, ninguém se arrepende plenamente enquanto não compreende que é responsável por sua incapacidade de obedecer a Deus.53
  5. Deve-se “tirar as coisas do fundo do baú”. As amarguras e iras profundas precisam ser reveladas, reconhecidas e tratadas pela graça de Deus.
  6. Em alguns casos há um componente espiritual demoníaco. Não que seja a causa fundamental, mas que tem participação na escravidão à Os conhecidos exus, conforme se autodenominam, “pomba-gira”, “maria-padilha” etc., que são demônios, devem ser expulsos em nome de Jesus, para que haja uma libertação da pessoa.
  7. A necessidade de Conforme percebeu Paul Morris, os homossexuais estão procurando ser amados.54 Tal busca manifesta-se numa forma de amor inadequada e contra a natureza, portanto nunca satisfatório. Ele precisa reconhecer que Deus, apesar de detestar seu pecado, o ama profundamente e quer libertá-lo. É preciso criar um contexto em que o aconselhado possa ser tratado com afeto masculino normal, sendo tratado como homem. Não se deve permitir o isolamento do aconselhado.
  8. Por fim, o aconselhado deve reconhecer que a reação precisa partir conscientemente dele. Se ele errar, vamos começar de novo. Cada batalha precisa ser vencida cada Eu venci hoje, amanhã eu vencerei de novo e assim por diante.

CONCLUSÃO

O objetivo deste artigo foi estabelecer de forma sucinta o ensino bíblico sobre o homossexualismo, refutar algumas das alegações de que tal estilo de vida é aprovado (ou pelo menos tolerado) nas Escrituras, compreender melhor o fenômeno e apresentar uma ajuda relativa ao problema.

As passagens que direta ou indiretamente tocam no assunto foram observadas e os argumentos empregados por teólogos e leigos favoráveis ao estilo de vida chamado “gay” foram considerados. Parece a estes autores ser impossível, com base nas Escrituras, justificar a prática do homossexualismo como um estilo de vida condizente com a condição de cristão, no sentido neotestamentário da palavra.

Isto obviamente não significa que cristãos genuínos, saídos de tal contexto de vida (cf. 1 Co 6:9), serão automaticamente libertados dos problemas inerentes a tal prática. Conselheiros apontam os sentimentos de culpa, a incapacidade de confiar, a ansiedade e a mentira como problemas crônicos e generalizados, resultantes de envolvimentos homossexuais prolongados. Ainda que convicta da natureza anti- bíblica do estilo de vida homossexual, a igreja não pode negar sua ajuda aos que sinceramente a busquem, especialmente aos que afirmam ter confiado em Jesus Cristo como Salvador. Paulo evidentemente conhecia alguns homossexuais que haviam sido transformados (1 Co 6:10-11). Há poucas estatísticas sobre a percentagem de cura de homossexuais tratados por evangélicos, mas mesmo que elas surgam e os números não satisfiçam as expectativas da pessoa ou instituição que promoveu o tratamento, as palavras de Cranfield podem servir de incentivo para ambos os lados dessa delicada questão:

É significativo que o mesmo verbo grego traduzido por “entregar” seja usado em 8:32 a respeito de Deus entregando seu único Filho à morte por nosso amor. Enquanto este fato, de modo algum, põe em dúvida a seriedade do que é significado por “entregar” aqui, ele deveria, com certeza, prevenir-nos contra supor levianamente que a intenção de Paulo era dizer que Deus abandonou estes homens para sempre. O significado de Paulo, sem dúvida, é, antes, que Deus deliberadamente permitiu-lhes seguir seu próprio caminho a fim de que aprendessem a odiar a futilidade de uma vida desviada da verdade de Deus. Foi isso um ato de julgamento e misericórdia de Deus, o qual fere a fim de curar (Is 19:22); e durante todo o tempo do abandono de Deus por eles, Deus continua preocupado com eles e ocupando-se deles.55

Ousaria a Igreja de Jesus Cristo fazer menos que isso?

Àquele que é capaz de fazer infinitamente mais do que tudo o que pedimos ou pensamos, de acordo com o seu poder que atua em nós, a ele seja a glória na igreja e em Cristo Jesus, por todas as gerações, para todo o sempre! Amém! [Ef 3:20-21, NVI]

_______________________________

1Carlos Osvaldo Pinto, Th.M., Ph.D. pelo Dallas Theological Seminary, é diretor e professor de Exegese e Teologia do Seminário Bíblico Palavra da Vida em Atibaia, SP, BRASIL, e membro da Comissão de Tradução da Nova Versão Internacional da Bíblia. Luiz Alberto T. Sayão, linguista e hebraísta, com mestrado na área de hebraico pela USP. É pastor da Portuguese Baptist Church em Cambridge, MA; foi professor da área bíblica da FTBSP e do Seminário Servo de Cristo (SP); é o coordenador geral da Comissão da Tradução da NVI. Este artigo foi originalmente publicado pela revista Vox Scripturae.

2O   termo foi usado pelo Dr. Arnaldo Domingues, médico paulista, num ataque contra o ministério de capelania evangélica no Hospital das Clínicas, São Paulo SP, em carta datada de 27 de outubro de 1993.

3Um exemplo marcante, ocorrido há alguns anos, foi a entrevista de Nehemias Marien no programa Jô Onze e Meia (SBT, 26 de maio de 1994), em que o comediante-apresentador parecia defender uma posição de maior seriedade em relação às Escrituras que o entrevistado, que fora apresentado como um pastor evangélico que celebrara o casamento de dois homossexuais. Também, T. D. Perry, The Lord Is My Shepherd and He Knows I’m Gay (Los Angeles: Nash, 1972); e S. Gearheart, ed., Loving Women/ Loving Men: Gay Liberation and the Church (San Francisco: Glide, 1974).

4Grupo Gay da Bahia, “Dez Verdades Sobre a Homossexualidade”, panfleto publicado pelo Grupo Gay (Bahia, Brasil). O grupo se auto-intitula a “mais antiga associação de defesa da cidadania dos homossexuais em funcionamento no Brasil”. Nas palavras do folheto: “Jesus Cristo nunca falou sequer uma palavra contra gays e lésbicas. Condenou sim os hipócritas e intolerantes” (p. 1). Tal argumento de silêncio serviria, caso houvesse defensores de tal prática, para legitimar a escravatura, sobre a qual Jesus também nada disse.

5D. Sherwin Bailey, Homosexuality and the Western Christian Tradition (1955; nova ed., Hamden CT: Shoestring Press, 1975)

6Embora as cidades da campina certamente merecessem tal condenação, isto não significa que essas acusações tenham sido a única causa do fogo divino. Ez 16:50 menciona as “abominações” de Sodoma, que poderiam perfeitamente incluir o homossexualismo, que Lv 18:22 define como tal.

7Nelson Kirst, et. al., eds., Dicionário Hebraico-Português e Aramaico-Português (São Leopoldo RS: Sinodal e Petrópolis: Vozes) 86.

8Os reis de Judá Asa, Josafá e Josias marcaram seus reinados pelo repúdio à idolatria e à prática da prostituição que incluía o homossexualismo. Veja 1 Rs 14: 24; 22:47 e 2 Rs 23:7.

9Grupo Gay, “Dez Verdades”, ¶ 5. Não se pode esquecer que infanticídio, mutilações, sacrifícios humanos, prostituição ritual etc. também são costumes de diversos povos não expostos à moralidade judaico- cristã. Veja Jacques Marcireau, História dos Ritos Sexuais, trad. Fernando de Castro Ferro (Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1974).

10Paul D. Morris, Shadow of Sodom: Facing the Facts of Homosexuality (Wheaton IL: Tyndale, 1978) 85.

11Grupo Gay, “Dez Verdades”.

12F. Wilber Gingrich, Léxico do Novo Testamento Grego/ Português, rev. F. W. Danker, trad. Júlio P.

  1. Zabatiero (São Paulo: Vida Nova, 1984) 129.

13W. F. Arndt e F. W. Gingrich, A Greek-English Lexicon of the New Testament and Other Christian Literature (4ª ed., Chicago: Univ. of Chicago, 1971) s.v. “malakoj”, 489-490; também, R. K. Harrison, “malakiaj”, em Dicionário Internacional de Teologia do Novo Testamento, ed. Colin Brown, trad. Gordon Chown (São Paulo: Vida Nova, 1982) 2:293-294.

14J. H. Moulton e G. Milligan, The Vocabulary of the Greek New Testament (nova ed., Grand Rapids MI: Eerdmans, 1971) 387.

15A referência é incerta, talvez do Diálogo dos Deuses 9.1, segundo H. G. Liddell e R. Scott, A Greek- English Lexicon (Londres: Oxford Univ., 1973) 1077.

16W. Harold  Mare,  “1 Corinthians”, em The  Expositor’s Bible Commentary,  12 vols.,  ed.  F. E. Gaebelein (Grand Rapids MI: Zondervan, 1976) 10:223.

17C. K. Barrett, A Commentary on the First Epistle to the Corinthians (Nova Iorque: Harper & Row, 1968) 140.

18Arndt e Gingrich, Greek-EnglishLexicon, s.v., 440.

19Observação exegética de A. T. Robertson e Alfred Plummer citada por F. Rienecker e C. Rogers, Chave Lingüística do Novo Testamento Grego, trads. Gordon Chown e Julio Paulo Zabateiro (São Paulo: Vida Nova, 1985) 297.

20Letha Scanzoni e Virginia Mollenkott, Is the Homosexual My Neighbor? (Nova Iorque: Harper & Row, 1978) 64.

21Veja H. Köster, “fusij, fusikoj, fusikwj”, Theological Dictionary of the New Testament, 9:253, e G. Harder, “Natureza”, Dicionário de Teologia do Novo Testamento, 3:255-61.

22Epicteto, Dissertações, 1:16:10.

23C. E. B. Cranfield, Carta aos Romanos, trad. Anacleto Alvarez (São Paulo: Paulinas, 1992) 45; ênfase deste autor.

24J. R. W. Stott, “Homosexual Partnerships: Why Same-Sex Relationships Are Not a Christian Option”, Christianity Today (22 de novembro de 1985) 11.

25Robertson McQuilkin, An Introduction to Biblical Ethics , 262.

26James D. G. Dunn, Romans 1-8 (Dallas: Word, 1988) 63-64.

27Veja Marta Suplicy, Conversando sobre Sexo (distribuído por Petrópolis: Vozes, 1983) 280-281; Henri-Iréneé Marrou, História da Educação na Antigüidade: Da Pederastia como Educação, trad. Mário Leônides Casanova (São Paulo: Herder e USP, 1969) 51-65; e Gordon Rattray Taylor, “Aspectos Históricos e Mitológicos da Homossexualidade”, em A Inversão Sexual, org. Judd Marmor, trad. Christiano Monteiro Oiticica (Rio de Janeiro: Imago, 1973) 133-134.
28
Veja Charles E. Winick, Unissexo, trad. Cesar Tozzi (São Paulo: Perspectiva, 1972) 304-306; P. Garnier, Onanismo (Paris/Rio de Janeiro: Garnier, 1901) 465-466; e J. Boswell, Christianity, Social Tolerance and Homosexuality: Gay People in Western Europe from the Beginning of the Christian Era to the Fourteenth Century (Chicago: Univ. de Chicago, 1981).

29Luiz Mott, “Justitia et Misericordia: A Inquisição Portuguesa e a Repressão ao Nefando Pecado de Sodomia”, em Inquisição sobre Mentalidade, Heresias e Arte, orgs. Anita Novinsky e Maria Luiza Tucci Carneiro (São Paulo: EDUSP e Expressão e Cultura, 1987) 705.

30Citados em Richard F. Lovelace, Homossexuality and the Church: Crisis, Conflict and Compassion (Old Tappan NJ: Fleming H. Revell, 1978) 17-19.

31Mott, “Justitia e Misericordia”, 736-738.

32Citado em Lovelace, Homossexuality and the Church, 19-22.

33Mott, “Justitia e Misericordia”, 704.34Taylor, “Aspectos Históricos e Mitológicos da Homossexualidade”, 123.

35Op. cit., 128.

36Yossef Al-Karadhawi, O Lícito e o Ilícito no Islam (São Bernado do Campo SP: Alvorada, s.d. [1994?]) 258-260.

37Michael Burleigh e Wolfgang Wippermann, The Racial State-Germany 1933-1945 (Cambridge: Univ. de Cambridge, 1991) 184.

38Dennis Altman, The Homosexualization of America (Boston: Beacon Press, 1982) 4.

39Garnier, Onanismo (escrito em 1883).

40Burleigh e Wippermann, The Racial State-Germany 1933-1945, 186-190.

41Veja Altman, The Homosexualization of America, 109; e Burleigh e Wippermann, The Racial State- Germany 1933-1945, 196.

42A. C. Kinsey, W. B. Pomeroy, e C. E. Martin, Sexual Behavior in the Human Male (Filadélfia: Saunders, 1948).

43Veja Suplicy, Conversando sobre Sexo, 281-282; e Altmann, The Homosexualization of America, 112-113.

44Statement by the Evangelical Alliance, Victoria, Australia, “Christian Response to Gay Liberation”, The Evangelical Review of Theology [WEF] 4:4 (outubro de 1980) 274.

45Altman, The Homosexualization of America, 2.

46 Citado em Lovelace, Homossexuality and the Church, 22-23.

47Antônio Leal de Santa Inez, et. al., Pesquisa acerca dos Hábitos e Atitudes Sexuais dos Brasileiros (São Paulo: Cultrix, 1983) 29-30.

48William H. Perloff, “Hormônios e Homossexualidade”, em A Inversão Sexual, 63.

49Cornelia Wilbur, “O Ponto de Vista Clínico”, em A Inversão Sexual, 228.

50Veja “Counselling the Homosexual”, The Evangelical Review of Theology 4:4 (outubro de 1980) 285-286.

51Edgar Morin, Cultura de Massas do Século XX – Neurose, trad. Maura Ribeiro Sardinha (8ª ed., Rio de Janeira: Forense Universitária, 1990) 144.

52Winick, Unissexo, 303.

53Erwin Lutzer, Aprenda a Viver bem com Deus e com Seus Impulsos Sexuais, trad. Myrian Talitha Lins (Belo Horizonte MG: Betânia, 1984) 84.

54Morris, Shadow of Sodom, 155.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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