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Educação Secular x Educação Cristã x Ensino Religioso

Por Valdeci da Silva Santos.

  1. Educação Secular x Educação Cristã

 Educação secular, como o nome indica, é aquela perspectiva educacional cuja atenção é horizontalmente dirigida ao século atual. Neste caso, a abordagem da educação é feita a partir da concepção da realidade como um sistema fechado, regido por leis fixas e universais de causa e efeito, cujas explicações passam pela teoria evolucionista com relação ao surgimento e funcionamento do universo e do ser humano. Neste contexto, a educação é definida como uma atividade sistemática de interação entre seres sociais, tanto no nível intrapessoal como no nível da influência do meio. … Presume-se aí, a interligação no ato pedagógico de três componentes: um agente (alguém, um grupo, um meio social, etc.), uma mensagem transmitida (conteúdos, métodos, automatismo, habilidades, etc.) e um educando (um aluno, grupos de alunos, uma geração, etc.).

Por sua natureza, a perspectiva secular da educação exclui Deus de suas considerações, bem como as necessidades espirituais dos seus alunos. A educação secular, influenciada por teorias psicanalíticas, evita “frustrar a criança” em todos os sentidos. Seus métodos buscam promover a liberdade irrestrita e não supervisionada dos alunos. O ser humano acaba sendo o centro desta perspectiva educacional.

O construtivismo é, certamente, a expressão de educação secular mais predominante nas escolas brasileiras. Uma das premissas básicas desta filosofia é que o conhecimento não é transmitido, mas construído (ou reconstruído) mediante a interação do indivíduo com o meio em que vive. Jean Piaget, um dos representantes do construtivismo contemporâneo, enfatizava a importância desta interação ao defender: “entender é descobrir”. De acordo com esta perspectiva, o educador é apenas um “agente facilitador” que deve evitar direcionamentos na educação e manter a neutralidade ideológica no processo educativo.

Ao defender a teoria do conhecimento como uma construção das interações sociais, o construtivismo acaba promovendo um culto da auto-expressão, pois todos seus pressupostos se fundamentam no ser humano. O principal alvo da educação, segundo o construtivismo, é a obtenção da autonomia humana.

Em contraste com o modelo secular de educação, a perspectiva cristã defende uma abordagem educacional holística, que considera não apenas o universo material, mas também a realidade espiritual. Partindo da perspectiva bíblica, a educação cristã entende o ser humano como criado à imagem de Deus e não meramente um animal biológico. Além do mais, o propósito da educação cristã é levar o educando a viver de tal forma que ele reconheça e adore o seu Criador, a fim de cumprir o propósito para o qual foi criado. Por esta razão, a educação crista não oculta sua cosmovisão, mas procura desenvolvê-la mediante os currículos e metodologias adotados.

Por ser tão evidente quanto à sua cosmovisão, a educação cristã tem sido geralmente criticada por aqueles que defendem uma neutralidade ideológica na educação. Outros a criticam justamente pelo seu comprometimento com os ensinamentos bíblicos. Contudo, os especialistas em educação admitem prontamente que esta atividade requer o compartilhamento de uma filosofia de vida, uma concepção de sociedade concreta, que se dá através de instituições específicas como família, comunidade, mídia, escola e outros canais de instrução. Como corretamente afirma Souza: “a educação sempre expressa uma doutrina pedagógica, a qual implícita ou explicitamente se baseia em uma filosofia de vida, concepção de homem e sociedade”. Além do mais, aqueles que criticam a educação cristã por sua cosmovisão bíblica, normalmente o fazem em virtude de suas próprias ideologias.

Considerando que o processo educativo implica a transmissão de valores, há de se notar que a neutralidade ideológica neste processo não passa de um mito defendido por alguns. Richard J. Edlin observa que “escolas não ensinam meros ‘fatos’, mas um completo âmbito de abordagens e atitudes sobre a vida por meio dos quais esses ‘fatos’ devem ser interpretados”. Assim como os valores de uma pessoa revelam sua cosmovisão, o currículo de uma instituição e a metodologia que ela adota também revela sua ideologia. O problema é que nem sempre a escola declara a filosofia ensinada em seu programa de ensino.

As consequências desse “pequeno detalhe” podem trazer consequências para toda a vida. O reconhecimento da impossibilidade da neutralidade ideológica nas atividades humanas foi corretamente apresentado no filme Sociedade dos Poetas Mortos.  Ao apresentar uma escola tradicional sendo desafiada pelos métodos inovadores de um professor de literatura, a produção mostra claramente o papel ideológico que uma instituição educacional desempenha na formação de uma sociedade. Neste contexto, o conteúdo e a metodologia do educador serão sempre determinados por suas crenças mais íntimas. Desta forma, ao insistir sobre os seus fundamentos ideológicos a educação cristã não faz nada diferente do que faz qualquer outra abordagem educacional. Talvez o elemento mais distintivo seja a evidência explícita de sua cosmovisão em todo o processo.

Certamente existem outras características divergentes entre essas duas perspectivas educacionais que podem ser observadas e exploradas. Todavia, as que foram expostas acima parecem ser suficientes para dar uma clara compreensão das peculiaridades de cada uma.

  1. Educação Cristã x Ensino Religioso

À luz da literatura sobre o assunto é possível afirmar que uma das maiores dificuldades dos especialistas em educação cristã é distingui-la do seu termo correlato: educação religiosa. A incapacidade de perceber as diferenças entre estes conceitos tem resultado em muitas dificuldades e críticas para os defensores de uma filosofia cristã de educação. O maior prejuízo é a delimitação da filosofia cristã de educação ao âmbito eclesiástico ou às discussões acadêmicas sobre valores morais e éticos.

O ensino religioso pode ser definido como a transmissão de conceitos e valores religiosos sobre o universo, o indivíduo, a família e a vida diária. Na escola, essa instrução pode ser realizada por meio de um currículo que contemple temas relacionados à fé ou à discussão de questões éticas por pessoas religiosas. O problema com esta forma de ensinar religião é que ela parece não apresentar qualquer esforço no sentido de integrar as demais áreas do conhecimento a uma cosmovisão que seja bíblica. Além do mais, o ensino religioso pode contemplar qualquer religião e não necessariamente o cristianismo.

No contexto eclesiástico, o ensino religioso tem sido geralmente confundido com um programa de formação espiritual dos cristãos. Ele é praticado como um projeto de discipulado, o qual busca habilitar pessoas a atingirem um amadurecimento espiritual capaz de conduzi-las à prática diária da fé cristã, bem como ao compartilhamento de suas crenças com não-cristãos.

Outra expressão da confusão existente entre educação cristã e o ensino religioso no contexto eclesiástico é a identificação da primeira com a educação teológica. Ainda que seja verdade que na educação cristã a prática do ensino e da teologia se encontram, o fato é que a proposta da educação cristã parece ser mais ampla do que a educação teológica. A educação teológica tem sido frequentemente dirigida ao treinamento formal de ministros e missionários nos institutos bíblicos, seminários e universidades. A educação cristã, por sua vez, é o processo de abordar todas as áreas do conhecimento a partir de uma cosmovisão cristã da realidade.

Por sua natureza, o escopo da educação cristã é mais abrangente do que aquele do ensino religioso. Como foi dito, ela é um processo de treinamento e “desenvolvimento da pessoa e de seus dons naturais à luz da perspectiva cristã da vida, da realidade, do mundo e do homem”. A diferença entre educação cristã e ensino religioso consiste no fato de que a primeira é um processo educativo “distintamente fundamentado nas proposições teológicas derivadas das Escrituras Sagradas”, enquanto que o segundo é uma “educação desenvolvida para perpetuar e propagar as doutrinas de um determinado sistema religioso”.

Dessa maneira, a preocupação do ensino religioso limita-se à formação religiosa das pessoas, enquanto que a atenção da educação cristã possui contornos mais amplos.

Ainda que o ensino religioso seja relevante em determinados contextos, confundi-lo com a educação cristã pode ser problemático para ambos. Quando a distinção não é estabelecida alguns educadores correm o risco de enfatizar tradições religiosas sob a pretensão de praticarem educação cristã. De qualquer forma, a definição clara do conceito de educação cristã é essencial para eficácia de sua aplicação.

Fonte: EDUCAÇÃO CRISTÃ: CONCEITUAÇÃO TEÓRICA E IMPLICAÇÕES PRÁTICAS

*FIDES REFORMATA XIII, Nº 2 (2008): 155-174

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