Por Monica Pinz.
Considerar a reflexão sobre a espiritualidade exprime a busca da compreensão da essência humana: o espírito. A educação vai muito além do que se propõe hoje (conteúdo, conteúdo e conteúdo). Os educadores e as educadoras precisam estar abertos para as novas exigências, não do mercado de trabalho apenas, mas, para o desenvolvimento pleno dos educandos e das educandas. O papel é formar seres humanos, mas humanos na plenitude da palavra de Deus, para uma vivência em harmonia, e consequentemente auxiliar as transformações pelas quais estiverem passando.
A relação do educador e da educadora com a sociedade, com a escola, com os educandos e as educandas, igualmente com os colegas de profissão, depende fundamentalmente da maneira como esse educador e essa educadora se auto definem. Os problemas de conduta que implicam as relações do educador e da educadora com eles mesmos não são relações unicamente subjetivas, porque de acordo com elas os resultados objetivos podem aparecer negativamente ou positivamente.
Acreditar na educação é não fazer de sua atividade profissional mera forma de ganhar a vida. É necessário também que o educador e a educadora acreditem na pertinência dos conteúdos que lecionam. Atitudes dessa natureza propiciam ao educando e à educanda perceberem que o mestre possui a convicção necessária para educar. É grande a responsabilidade do educador e da educadora como agentes influenciadores de mentalidades em formação, e a espiritualidade é uma expressão da totalidade do ser humano como sentido e busca dinâmica da vida.
Para compreender como a dimensão da espiritualidade contribui com a constituição da identidade profissional dos educadores e das educadoras e dela participa, basta, num primeiro momento, refletir sobre a pessoa do educador ou da educadora, que além da sua formação inicial e acadêmica, sua prática na escola e sua permanente necessidade de formação, possui uma relação com sua própria aprendizagem e constituição como profissional, sendo esta imprescindível para sua constituição como educador(a)-mestre.
A dimensão da espiritualidade humana é entendida como a busca de um ser ou uma força superior que lhe confira sentido à vida, por meio do qual direcione suas ações sobre o mundo e sobre sua atuação nesse mundo. Ao se perguntar sobre esses sentimentos que nutre em relação às pessoas, ao seu desempenho na profissão e sobre sua própria condição existencial como ser humano, o educador e a educadora têm a possibilidade de se perceberem em permanente construção de si mesmos.
A espiritualidade mencionada não se confunde e nem se reduz necessariamente à prática de uma religião, mas abarca o contexto da dimensão do cuidado de si, de um educador ou de uma educadora, buscando destacar que experiências de caráter espiritual ajudam a melhorar sua docência.
Observando o cenário educacional atual, pode-se ver que existe um sentimento de mal-estar no que se refere à qualidade de vida dos educadores e das educadoras. O desempenho social da pessoa do educador ou da educadora é alcançada através do seu desempenho profissional e consequentemente de sua vida pessoal.3
O educador e a educadora encontram-se num movimento em que lhes é exigido uma adaptação ativa, e é nesse momento que se deparam com a essência de sua prática. As mudanças aceleradas nos modos de produzir e expressar conhecimentos são percebidas pelos educandos e pelas educandas, levando ao seguinte cenário: os educandos e as educandas que estão sob os cuidados do educador e da educadora aproximam-se e aguardam do educador e da educadora para fazer a diferença e mostrar o que é o melhor para as suas vidas. São vivenciadas situações que demandam do educador e da educadora – também seres humanos em permanente processo de construção e reconstrução de si mesmos – posturas
de orientação para si próprios e para quem deles assim se aproxime. Uma dessas situações pode estar ligada à dimensão da espiritualidade.
Neste contexto, a espiritualidade mencionada não envolve um conjunto de regras, rituais e liturgias, também não é uma doutrina que possa ser ensinada, mas nasce e se desenvolve no interior de cada indivíduo. A espiritualidade determina a forma como se vê a vida e como se lida com os problemas que vêm imprevisivelmente.
Sendo assim, espiritualidade não é “a exclusão da materialidade, mas a relação ou união do homem todo – corpo e alma”4 – com Deus. São os meios que o ser humano desenvolve para esse fim e a manifestação do resultado obtido com o desenvolver dessa espiritualidade no meio em que vive (família, comunidade e a sociedade).
Todo ser humano deve ser preparado para elaborar pensamentos autônomos e críticos e para formular seus próprios juízos de valor, de modo a poder decidir por si mesmo como agir nas diferentes circunstâncias da vida. Diante desse cenário se percebe a importância da educação na contribuição com o desenvolvimento total da pessoa – espírito e corpo, inteligência, sensibilidade, sentido estético, responsabilidade pessoal e espiritualidade.
Quando se menciona a espiritualidade, não se espera que o educador ou a educadora, em prol de sua espiritualidade, se tornem missionários, mas que tenham condições de refletir sobre si mesmos, sua missão como educadores e educadoras, criadores de opiniões, e nesse processo se considera o educando e a educanda não como meros produtos, mas como seres aptos a influenciar o mundo ao seu redor.
O processo da educação que requer o século XXI é muito mais abrangente do que aquele que tem sido colocado na formação docente, mas, embora ainda haja essa deficiência no processo de formação, as competências são sempre requeridas dos profissionais. Tradicionalmente, crenças e experiências espirituais têm sido componentes marcantes em diversas sociedades. Assim, torna-se visível a cada dia a importância da dimensão espiritual para a Educação. Entretanto, apesar de algumas pesquisas que envolvem esse tema terem surgido, principalmente nas últimas
décadas, há, ainda, fragilidades no entendimento da relação da espiritualidade com o papel do educador e da educadora.
Vasconcelos5 esclarece que a educação trabalha pedagogicamente o ser humano e os grupos envolvidos no processo de participação, através de formas coletivas de aprendizado e de investigação, promovendo a análise crítica sobre a realidade e as estratégias de luta e de enfrentamento. Nesse sentido, ressalta-se a relevância da presença da espiritualidade como algo capaz de auxiliar o indivíduo, a família e a comunidade a melhor superar as dificuldades da vida, proporcionando um melhor enfrentamento da realidade cotidiana.
Outra perspectiva e entendimento da espiritualidade vem de Agostinho. Ele acreditava que todas as pessoas tinham uma ordem de amores que servia para orientar suas ações na vida.6
Conforme declarado nos dois grandes mandamentos7, a ordem de amores de uma pessoa é central para a fé cristã, ou seja, amar a Deus de todo o coração, alma, mente e força, e amar ao próximo como a si mesmo. De acordo com Romanos 5.58, o amor é derramado no coração humano pelo Espírito Santo que foi dado aos cristãos e cristãs, e Deus criou as pessoas com capacidade de comunhão e relacionamento em nível espiritual, o qual encontra satisfação no amor a Deus e ao próximo9.
A fim de fundamentar e possibilitar a compreensão da espiritualidade mencionada por Agostinho, James Loder contribui para o diálogo entre a Teologia e a ciência ao descrever como o Espírito Santo age para transformar o espírito humano. O conceito de Loder, denominado a “Lógica do Espírito”, contribui para estudos interdisciplinares no século XXI. Loder também é um dos educadores que fornece critérios para a preparação do espírito do educador e da educadora.
Em uma de suas obras, denominada The Knigt’s Move, Loder faz uma ilustração da obra de Sören Kierkegaard, descrevendo o relacionamento entre o Espírito Santo e o espírito humano em termos do movimento do cavalo no jogo de xadrez. O cavalo é diferente de todas as outras peças do xadrez, pois pode se mover em duas direções, em ângulos retos, e tem a vantagem distinta de ser capaz de pular sobre as outras peças no tabuleiro. No jogo de xadrez real, o movimento do cavalo pode ser inesperado e surpreendente para o jogador que não previu as possíveis consequências dos seus movimentos.
Loder denomina como “cavalo da fé” o Espírito Santo que encontra o espírito humano, o que também pode ser descrito como modos inesperados e surpreendentes.10 O encontro com o Espírito Santo possibilita a comunhão com Deus, o Criador da vida. Esse encontro vivifica o espírito da vida e a leva à sua plenitude para a experiência humana. No relacionamento com o espírito humano, o Espírito Santo traz renovação e transformação, satisfazendo os anseios mais profundos.11 Questiona-se então como o movimento do cavalo, ou seja, a pessoa e a obra do Espírito Santo, influenciam a preparação do espírito do educador e da educadora.
Pazmiño, diante desta relação que Loder propõe, explica que não há como propor fórmulas fáceis que possam se assemelhar à intensa evolução de um mestre de xadrez e à estratégia do xadrez.12 O educador e a educadora são encorajados a estarem disponíveis para o que o Espírito tenha feito e estiver fazendo na vida de todos os participantes do ensino quando estiver planejando ensinar. Essa abertura é possibilitada por períodos de oração, que envolvem ouvir e meditar ativamente, junto com o montante de tempo necessário para fazer germinar novas ideias, habilidades e sensibilidades.
Segundo Pazmiño, no planejamento é possível considerar as experiências de aprendizado criativo ou crítico que não haviam sido previamente testadas, ao mesmo tempo em que se considera os riscos desses empreendimentos. O ensino é arriscado, não obstante ao fato de que o lançamento de novos caminhos ou o reavivamento de algumas técnicas de ensino, há muito esquecidas, possam oferecer novas opções para os educandos e as educandas.14
E o que seria o espírito? Como relacioná-lo à espiritualidade? Para responder, Loder utiliza o conceito da lógica do espírito. Mas o que seria essa lógica?
Para Loder, “lógica” tem
a ver com os processos básicos que o ser humano usa para tomar conhecimento de si mesmo e do seu mundo. São processos racionais, porque exigem o uso do cérebro, do intelecto e todas as suas faculdades. Mas estes processos não são apenas racionais; eles também são relacionais. Baseando-se em Polanyi, Loder expressa que todo e qualquer conhecimento é inextrincavelmente pessoal; não é possível separar o conhecedor do conhecimento.15
E “espírito” tem
a ver com a dinâmica inata no ser humano que, silenciosamente dirige e molda o seu conhecimento. Esta dinâmica pode ser caracterizada como um padrão coerente que une num todo as mais variadas maneiras de pensar sobre tal assunto ou tal situação. O espírito busca integridade de conhecimento, ou seja, significado completo, em todo contexto, independentemente do conteúdo ou da complexidade do mesmo.16
Unidos estes dois termos, a “lógica do espírito” é o processo padronizado que descreve a fonte interior geradora de conhecimento em todos os níveis de experiência humana e a transformação do conhecimento do ser humano.17 Esse processo é possibilitado a partir de ordens ocultas de coerência e significado, aparecendo em um determinado padrão de referência ou experiência e conseguindo alterar e até repor padrões já existentes, e por fim reordenando seus elementos.18
Consequentemente, Loder afirma que se pode analogicamente relacionar a maneira como Deus age na experiência humana por meio de seu Espírito Santo, possibilitando que o ser humano conheça a Deus e a Seu mundo. Há uma relacionalidade inata entre o espírito humano e o Espírito Divino.19
Na teoria interdisciplinar de Loder é mostrado como a lógica transformativa do espírito humano está relacionada com a lógica transformativa divina ou fundada nela.20 Numa lista sem fim, Loder descreve como a interação divina age no desenvolvimento psicossocial do ser humano, em descobertas científicas, na criação da cultura contemporânea, na resolução de crises21, enfim, ao longo do curso do desenvolvimento humano, para transformar o significado e o destino de uma vida humana a cada idade, novos significados e dimensões vão emergindo, levando o espírito humano a integrar ordens cada vez mais complexas de significado.22
Dessa forma a educação pode auxiliar a desenvolver a capacidade de sentir, perceber, compreender e apreciar a si mesmo, aos outros, ao que cerca o indivíduo e às relações que se estabelecem entre esses elementos que formam o todo em que se está inserido. Educadores e educadoras, assim como educandos e educandas, na condição de seres humanos necessitam encontrar o significado de suas vidas e de suas atividades, e descobrir suas missões e seus propósitos de vida.